Mistérios do coração


A casa estivera fechada por muitos meses.
Certo dia um caminhão chegou com a mudança. Móveis bem cuidados,
embora alguns fossem antigos, geladeira branca, fogão a gás, um luxo...
O motorista e o homem (devia ser o inquilino novo) descarregavam
os mais pesados, enquanto a mulher ajudava a levar as caixas
de papelão menores para dentro.
Nos dias que se seguiram, mistério total.Não se via nenhum dos dois.
O que se via era lixo colocado na calçada, as vidraças ficando cada vez
mais limpas,um ar de limpeza como nunca houvera..
As vizinhas curiosas com o que acontecia ,espiavam o homem sair de
manhãzinha e retornar à noite.O que será que ele fazia?
E a mulher que ninguém via? As compras eram entregues no corredor
da casa pela perua do mercado, o portãozinho não deixava ver nada.
Nenhuma criança.Será que aquele casal não tinha filhos? Filhos casados
não teriam, a mulher era muito nova.
Feita a faxina geral, uma surpresa!
A mulher trouxe uma cadeira e sentou-se na calçada.
A partir desse dia, todas as tardes, às 5 horas em ponto repetia a mesma rotina.
Cabelos pretos ainda molhados pelo banho, baton nos lábios, vestido
estampadinho, brincos, algumas pulseiras e anéis nos dedos de unhas
compridas esmaltadas de vermelho.
Essa rotina passou a fazer parte da vida das vizinhas, curiosas, que ficavam
olhando pelas frestas das janelas, fazendo mil indagações e suposições.
- Será que ela já terminou o serviço de casa?
- A bonitona não tem filhos pequenos, porque se os tivesse, não teria tempo
para sentar-se na rua a essas horas.
-E o marido? Onde andará? Deve ser um sem-vergonha!
- Que descarada ! Fica na calçada "dando bola"a quem passa.
Como se estivessem combinado, as vizinhas também começaram a senta-se
na calçada, trazendo suas cadeiras.Usavam roupas limpas e passadas,
cabelos penteados para não fazer feio.
As que moravam mais próximas juntavam-se e, baixinho comentavam;
-Olha! Lá vem "seu"Azevedo do posto de gasolina.
Será que vai cumprimentá-la?
-Boa tarde.
-Boa tarde.
E não é que o safado a cumprimentou?
-Agora vem vindo o dono do mercadinho da esquina.
-Boa-Tarde!
-Boa Tarde!
E todos a cumprimentavam.E a todos ela respondia.
Bem mais tarde, o marido chagava. Entrava e logo voltava com uma cadeira igual.
Ficavam pertinho, conversando na calçada.
A curiosidade quase matava as vizinhas.Do que será que falavam?
Aos poucos, os seus maridos , foram também sentando na calçada.
O hábito tornou-se uma obrigação.Em pouco tempo, a rua enchia-se de gente
que conversava, mulheres que gritavam com as crianças, que corriam na calçada,
que andavam de bicicleta, que jogavam bola,que...
Às 9 horas o casal de frente recolhia as cadeiras,
fechavam o portão e as luzes da casa eram acesas.
Depois, só a luz do quarto.
Então, a esse apagar de luzes, num passe de mágica, todos entravam.
O coração de cada um daqueles homens e mulheres adivinhava o que acontecia.
E o amor passou a morar em todas as casas.





Ivone Ferioli Nunes
Escritora premiada
em 1 ºlugar  no 5º Concurso Literário Regional de Matão