TEXTO

By P@ulo Monti



Escrevo-te, esta noite, sobre um violão. Não tem nenhum sentido simbólico. Escrevo sobre um violão. Apenas isto. Mas, escrevo-te como quem pare: sofrendo o conjugar de novas palavras, o descobrir de maneiras diferentes de percepção. Escrevo na noite. Por sua calma com que me faz pensar em ti.
Mas, sinto-te como nunca, longe. Estás, não estando. Sentes falta minha, de meu espaço físico, de minha caminhada, porém, situas-te noutra atmosfera. E, perdôo-te por não poder sentir a minha. Ela é mais densa, mas nem tanto que não a possas penetrar: nela, sofro o desgaste do escrever. E, ainda mais, sobre um violão. Até podes achar-me ridículo e pouco cômodo. Não te censuro. Pelo contrário. Concordo contigo. Mas, se não passarmos uma noite em claro, jamais saberemos o quão gratificante é o amanhecer. E, no amanhecer, me revelo. Assim como no anoitecer me desvelo. Mas, são condições.
Quem tem opções, me rirá. E rirei junto. É preciso muita pouca coisa para haver condição – é preciso que ela exista, simplesmente. E ela existe e isso é maravilhoso. Eu me gratifico profundamente. E, profundamente, vou tecendo os elos da minha corrente. Um a um. Até que, de repente, o lirismo me surpreenda numa sílaba ou num verbo – amar, sempre tão intransitivo, mas com que transitar!
Mas, já outros mundos me ocorrem. Assaltam, quase. Enfim, a vida é feita de assaltos. Então, cada vez mais bandoleiro me torno. Assalto o sol pela manhã – estrelas, à noite. E, nas estrelas, o grande mistério: serão realmente poligonais? Não o sei. Aliás, já outro assalto me interrompe.
O poder, o fascínio que exercem sobre nós certas criaturas encantadas que não quero desencantar. Aliás, estas ficarão comigo, não o saberás. Não quero desencantá-las. Às vezes, acho que o poder maior está no próximo minuto. Dele dependem todos os meus sentidos. E, nele, te encontrarei. Ou perderei.
Não, não quero o próximo instante. Basta-me o que tenho, se é que o tenho. Acho até que é ele que me tem. E, nesse ter ou não ter, vamos assaltando e balançando loucamente sobre o abismo. O abismo que nos separa física e emotivamente, pois, jamais estaremos dentro de nós.
Aliás, sábia lei, esta da física: não ocupar o mesmo lugar. Ainda poderemos tentar – e devemos fazê-lo quando estivermos a sós, embora sabendo que nunca estaremos, pois, somos dois –
derrubar este mito.
Por falar em mito, somos tão carentes de mitos que esquecemos o maior deles: nós mesmos. Por que não seres um mito para ti mesmo? Por que precisas buscar fora quando tens tudo dentro? Necessário é, pois, que jorrem todas as coisas, as poucas coisas que, falsamente, pensamos que somos. Deixemos que venham à tona todos aqueles corpos celestes que nos foram fecundados há séculos, quando o primeiro grande contato foi feito: sejamos capazes de ser, não de buscar o que não é somente porque o projetamos.
Queres que te diga que grande contato é esse, não? Para que queres saber? Não te basta que ele aconteceu? São coisas encantadas nas quais é preciso crer. Crer cegamente. Ou, ainda, saber que são encantadas, pois, ser é fundamental. Sejamos, então. Por isso, quero ser justamente aquele que está atento, que cuida do mundo, que olha mais internamente: que escreve à noite, como um suicida, equilibrando-se numa tênue linha – como uma buzina na madrugada. Mas, já é outro mistério. E a necessidade de explicar se faz presente.
Ah! Explicar. Sempre explicar. Aceita o mistério e procura sê-lo, encantadamente, como ele o é, sem perguntas. Ele é. Isso basta. E de um ângulo sobre um violão. Um violão apenas. Mas, quanta música dorme nele esta noite. Quanta!
E tu não saberás que atravesso a noite, olhos atentos ao menor ruído e, ouvidos prestes a divisar o amanhecer. Assim, vou sendo: meio louco e meio poeta, rasgando as cortinas da casa para que o sol surpreenda-nos magnificamente nus, embora estejamos cobertos com a poeira dos séculos. Mas, o que importa, agora, é que a lua descobriu-se e é. Lua, apenas lua. Vou fechar a janela e vou dormir. Dormirei sendo.