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Ontem.... 
 
 
 
Ontem, meu pensamento era um veleiro que oscilava de um lado 
 
para outro com as ondas, e se movia ao sabor dos ventos de uma praia a outra. 
 
E o veleiro de meu pensamento estava vazio de tudo. Só possuía 
 
sete vasos, cheios com tinta de sete cores diferentes, tal um arco-íris. 
 
Um dia, enfadei-me de viajar pelos mares e decidi voltar com o 
 
veleiro vazio do meu pensamento para a terra onde nascera. 
 
E comecei a pintar meu veleiro com cores amarelas como o pôr do 
 
sol, e verdes como o coração da primavera, e azuis como o teto do 
 
céu, e vermelhas como o horizonte em chama; e desenhei sobre as 
 
velas e o timão formas estranhas que atraem a vista encantam a 
 
imaginação. Entrei então no porto da minha terra, e o povo todo 
 
saiu ao meu encontro com aleluias e regozijos, e conduziram-me à 
 
cidade ao som dos tambores das trombetas. 
 
Fizeram tudo isso porque o exterior do meu veleiro era colorido e 
 
atraente, mas ninguém entrou no interior do veleiro do meu pensamento. 
 
E ninguém perguntou o que havia trazido do além-mar no meu veleiro. 
 
Então disse comigo mesmo: "Enganei a todos, e com sete vasos de 
 
cores, iludi seus olhos e sua imaginação." 
 
Um ano depois, embarquei novamente no meu veleiro. 
 
Visitei as ilhas do Oriente e lá recolhi a poeira do ouro, o marfim, o 
 
zircônio e as esmeraldas, e todas as demais pedras preciosas. 
 
E fui às ilhas do Norte e delas trouxe as sedas e os escudos mais 
 
aperfeiçoados, e todas as variedades de armas. 
 
Enchi o navio de meu pensamento de todas as coisas valiosas da 
 
terra e de todas as curiosidades. 
 
E voltei ao porto da minha terra, pensando: 
 
"Agora, meu povo me glorificará com razão e me receberá com 
 
regozijo merecido." 
 
Mas, quando atingi o porto, ninguém saiu ao meu encontro, e 
 
percorri as ruas da cidade, sem que ninguém me desse a menor atenção. 
 
E falei nas praças públicas, enumerando os tesouros que havia 
 
trazido. Mas o povo olhava-me com desprezo ou zombava de mim 
 
e passava. Voltei ao porto, triste e perplexo. E quando vislumbrei 
 
meu navio, dei-me conta de uma coisa de que não me apercebera 
 
nas ocupações de minha viagem. Gritei, dizendo: 
 
"As ondas do mar apagaram a pintura das paredes do meu navio. 
 
E os desenhos das velas murcharam sob o efeito do calor do sol e 
 
dos ventos e da espuma do mar. 
 
Reuni os tesouros do mundo num caixão flutuante e voltei a meu 
 
povo; e ele me renegou, pois seus olhos só vêem as aparências 
 
 
( Gibran Khalil Gibran)  
  
  
  
  
  
 
 
 
      
      
                        
      
        
      
      
        
      
        
      
        
        
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