O velho , o menino e a mulinha Monteiro Lobato O velho chamou o filho e disse: - Vá ao pasto, pegue a bestinha ruana e apronte-se para irmos à cidade, que quero vendê-la. O menino foi e trouxe a mula. Passou-lhe a raspadeira, escovou-a e partiram os dois a pé, puxando-a pelo cabresto. Queriam que ela chegasse descansada para melhor impressionar os compradores. De repente: - Esta é boa ! exclamou um viajante ao avistá-los. O animal vazio e o pobre velho à pé! Que despropósito! Será promessa, penitência ou caduquice? ... E lá se foi, a rir. O velho achou que o viajante tinha razão e ordenou ao menino: Puxe a mula, meu filho. Eu vou montado e assim tapo a boca do mundo. Tapar a boca do mundo, que bobagem! O velho compreendeu isso logo adiante, ao passar por um bando de lavadeiras ocupadas em bater roupa num córrego. - Que graça! Exclamaram elas. O marmanjão montado com todo o sossego e o pobre menino a pé...Há cada pai malvado por este mundo de Cristo...Credo ! ... O velho danou e , sem dizer palavra , fez sinal ao filho para que subisse à garupa. - Quero ver só o que dizem agora... - Viu logo . O Izé Biriba , estafeta do correio, cruzou com eles e exclamou: - Que idiotas ! Querem vender o animal e montam os dois de uma vez ...Assim , meu velho, o que chega à cidade não é mais a mulinha; é a sombra da mulinha... - Ele tem razão, meu filho , precisamos não judiar do animal. Eu apeio e você, que é levezinho, vai montado. Assim fizeram , e caminharam em paz um quilômetro, até o encontro dum sujeito que tirou o chapéu e saudou o pequeno respeitosamente. - Bom dia, príncipe ! - Por que príncipe? Indagou o menino . - É boa ! Porque só príncipes andam assim de lacaio à rédea... - Lacaio, eu ? esbravejou o velho . Que desaforo ! Desce, desce, meu filho, e carreguemos o burro às costas. Talvez isto contente o mundo... Nem assim. Um grupo de rapazes , vendo a estranha cavalgadura, acudiu em tumulto, com vaias: - Hu! Hu! Olha a trempe de três burros, dois de dois pés e um de quatro! Resta saber qual dos três é o mais burro... - Sou eu ! replicou o velho, arriando a carga. Sou eu, porque venho há uma hora fazendo não o que quero mas o que quer o mundo. Daqui em diante , porém , farei o que me manda a consciência, pouco me importando que o mundo concorde ou não. Já vi que morre doido quem procura contentar tanta gente ! (Do livro Fábulas de Monteiro Lobato)